segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Perfil do mestre João de Félix

Zanoni Neves*

O Sr. João Francisco de Souza (João de Félix) nasceu em Santana de Sobradinho (BA) em maio de 1913. Conheceu a aspereza do trabalho no campo desde a infância. Seu pai, Sr. Félix Francisco de Souza, viajava nas barcas de figura, deixando sua roça sob os cuidados da esposa e dos cinco filhos, todos homens. Os pequenos cultivos de mandioca, feijão, milho, abóbora, melancia, batata e arroz possibilitavam a sobrevivência digna da família. No calejar do peito e das mãos, o Sr. Félix ganhava o pequeno salário de embarcadiço para comprar outros produtos não produzidos no campo, dos quais a família necessitava: o querosene, o calçado, as roupas, o medicamento etc.

Ainda na adolescência, o jovem João Francisco de Souza abraçou a profissão do pai, tornando-se remeiro. Herdou dele também o patrônimo Félix, tornando-se mais conhecido entre os fluviários como João de Félix. Os quatro irmãos também ocuparam as coxias das barcas. Inicialmente, João Francisco trabalhou em pequenas embarcações de propriedade do seu tio, Sr. Eugênio Carioca, viajando para Remanso, Xique-Xique e Barra (BA). Na primeira metade dos anos 1930, já estava engajado em barcas maiores que partiam de Juazeiro com destino a Barreiras, no rio Grande, e a Santa Maria da Vitória, no rio Corrente – ambas no Estado da Bahia.

A faina diária nas barcas começava ao nascer do dia com os primeiros raios de sol ou, até mesmo, de madrugada, e terminava à tarde quando o sol desaparecia no horizonte. O “varejão”, ou seja, a vara utilizada para impulsionar as embarcações nas viagens rio acima, provocava ferimentos no tórax dos remeiros. Em entrevista, o Sr. João Francisco mostrou a marca que esse instrumento de trabalho deixou em seu peito – passados 50 anos desde que havia abandonado o trabalho nas referidas barcas.

O Sr. Benvindo Francisco de Souza, o irmão mais velho, foi o primeiro a deixar o trabalho de “arrastar vara” nas barcas de figura, tornando-se marinheiro de vapor. Por sua iniciativa, os demais irmãos seguiram-lhe o exemplo. Em 1940, João Francisco começou a viajar a bordo dos “gaiolas” da CIVP – Companhia Indústria e Viação de Pirapora, exercendo a função de marinheiro, que no Médio São Francisco implicava trabalhar na estiva, entre outros encargos. Mais tarde, tornou-se praticante de prático, ou seja, aprendiz de timoneiro. Alguns anos depois, alcançou o cargo de prático ou mestre conforme a linguagem dos embarcadiços – ou piloto na terminologia das empresas de navegação e da Capitania Fluvial dos Portos. Em 1969, aposentou-se na FRANAVE – Companhia de Navegação do São Francisco como piloto fluvial. Dos cinco irmãos, quatro foram timoneiros nos vapores do Velho Chico. Rafael de Souza, filho do primeiro casamento do Sr. João Francisco, também pertenceu à classe dos fluviários, exercendo a profissão de maquinista dos vapores.

Depois de se aposentar, o Sr. João Francisco de Souza casou-se em segundas núpcias com a Sra. Guiomarzina Rodrigues Soares que foi cozinheira nos vapores da FRANAVE.

Depois de viajar muitos anos em companhia do Sr. João Francisco de Souza, o Comandante Joaquim Borges das Neves dizia-nos em entrevista: “No quarto do João, eu dormia tranqüilo!” Esta frase significa que, no turno de trabalho do Mestre João de Félix, o vapor navegava sem risco de colisões em pedras e troncos.

Durante o meu trabalho de pesquisa sobre navegação no Rio São Francisco, o Sr. João foi o principal informante.

* O autor nasceu em Pirapora e é bacharel em Ciências Sociais pela UFMG, pós-graduado em Sociologia pela PUC-MG e mestre em Antropologia Social pela Unicamp, tendo publicado diversos trabalhos sobre o Velho Chico, entre os quais o livro "Na Carreira do Rio São Francisco".

Um comentário:

Navegantes

Contador de visitas