sábado, 6 de fevereiro de 2010

O saxofonista misterioso

Tinha nome de cantor popular, e artista popular ele era também. Apesar das roupas velhas e dos cabelos desgrenhados, era charmoso e carismático em sua personalidade forte, à beira do autoritarismo, uma espécie um Beethoven sertanejo. Quem mais temia Roberto Braga eram as crianças, mas eram elas também quem mais se divertia com ele. Não sei se por brincadeira ou outra razão qualquer, quando um menino se aproximava, o estranho homem pressionava os lobos das orelhas com os dedos indicadores e enviava-lhe uma cusparada quase sempre certeira.

Nas primeiras vezes que isso aconteceu, houve protestos e revolta, tanto de pais quanto de filhos. Até Tico, o louco declarado da cidade, que atirava pedras e falava palavrões não importando o ambiente, quis tirar satisfações com o desrespeitoso personagem. “Esse doido não tem respeito nem pelas crianças”, bradou Tico numa da vezes que Roberto Braga cuspiu em um menino. Ele tinha acabado de jogar uma pedra em um garotinho que o provocara. O artista não quis conversa e voltou rapidamente para dentro do bar onde tomava cerveja com amigos.

Aos poucos, as pessoas foram se acostumando com aquela figura exótica que, apesar do comportamento inusitado, não demonstrava sentir raiva ou ódio. Não, Roberto Braga não era rabujento ou intolerante, até denotava simpatia sutilmente, e foi isso que as crianças perceberam em pouco tempo, pois passaram a ver nele uma oportunidade para brincadeiras sem correr riscos, a não ser o de levarem um golpe de cuspe no rosto. Eu acho que ele também se divertia muito com tudo aquilo.

A diversão que Roberto Braga levava para os adultos também não era pequena. Foi o maior saxofonista que eu conheci, não devendo nada a Domingos Pecci ou Luiz Americano, nomes que tinham grande prestígio naquelas bandas da bacia do rio São Francisco. Ali mesmo no bar, quando ele desencaixotava as primeiras notas do seu sax dourado, uma pequena multidão se reunia em silêncio para ouvir. Era um som infernal e celestial, demoníaco e divino, emocionante e confortador, saudoso e repleto de esperança. Só um grande artista ou um santo são capazes de fazer um milagre daquele.

Roberto Braga não era santo, mas era o próprio mistério. Ninguém podia afirmar com certeza de onde ele viera e porque fora parar ali. Desculpe, leitor, a expressão “parar ali” não é propriamente verdadeira, já que nosso artista não parava em lugar algum, vivendo como um andarilho pelos caminhos do São Francisco. Um dia, na cidade da Barra, outro em Barreiras, depois Ibotirama, seguindo para Paratinga no rumo de Bom Jesus da Lapa. Assim ele levava a vida.

Diziam que ele nascera em Casa Nova, muito antes dessa cidade submergir no lago de Sobradinho, e era filho de uma família importante, mas nada está comprovado. Em respeito ao meu compromisso com a verdade, não vou colocar minha mão no fogo por essa história. Falavam também que lá mesmo em Casa Nova ele viveu uma paixão muito forte pela moça mais bonita do lugar e acabou sendo traído horrorosamente pelo rapaz que mais odiava. Essa seria a razão de ter saído a vagar sem destino pelo mundo. De novo, nada posso garantir.

Outro mistério ainda não resolvido é o que envolve sua genialidade artística. Ninguém sabe ao certo onde aprendeu a tocar e, muito menos, como adquiriu tão grande habilidade no sax. Alguns dizem que começou em Casa Nova e depois foi se aperfeiçoar em Juazeiro, havendo até aqueles que juram ter o grande artista passado por uma importante escola de música de São Paulo. Para contradizer essa versão, não falta quem garanta que Roberto Braga fez um pacto com o Romãozinho, do qual ninguém conhece os detalhes, para se transformar no grande músico que foi. Peço aos distintos leitores que me entendam e vejam que eu estou apenas relatando o que ouvi em diversos lugares. Não descarto a existência de outras versões que não conheço. Pode ser que em Carinhanha a história seja uma, em São Francisco outra, em São Romão mais outra e assim por diante.

Nunca mais ouvi falar de Roberto Braga. Assim como apareceu, sumiu coberto de mistério. O som do seu sax, tal como o vapor encantado, que aparece e desaparece na noite do rio, ressurge em minha memória quando eu menos espero.

O vale do São Francisco é assim mesmo, cheio de milagres e encantamentos.

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