quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Dom Ricardo está certo

Gostei muito de um artigo publicado na semana passada em um jornal de Barreiras pelo bispo daquela cidade, d. Ricardo Weberberger, a propósito de um certo movimento a favor da criação de um determinado Estado do Rio São Francisco. Depois de observar que a região onde se estabeleceria a nova unidade da federação “ainda é politicamente fraca”, além de ser “social e economicamente marcada por grandes diferenças e desigualdades”, o bispo, demonstrando ótima pontaria, atinge o foco central do problema, ao perguntar: “Quem vai arcar com os custos do movimento político, de eleições? Não será o grande capital que vai definir candidaturas políticas?”

Em seu comedimento de líder religioso, d. Ricardo não dá nomes aos bois, mas revela uma aguda percepção do que ocorre atualmente na região que querem transformar em Estado. Peço ao prezado leitor que analise com serenidade o raciocínio que me levou a concordar com o bispo. Então vejamos. Caso seja obedecida a demarcação proposta pelo parlamentar pernambucano Gonzaga Patriota, que apresentou projeto de lei na Câmara dos Deputados, o tal Estado compreenderia a parte do território baiano localizada à esquerda do rio São Francisco, justamente a área dominada por fortes grupos econômicos dedicados à monocultura de exportação. Não será esse o grande capital a que d. Ricardo se refere?

O certo é que nenhuma outra força regional está perto de se equiparar a esses grupos no campo da economia, o que significa não estar apta, em termos financeiros, a disputar com eles a conquista do poder político. Em outras palavras, concretizando-se o novo Estado, suas instituições cairiam completamente nas mãos dos grandes produtores de soja e algumas outras commodities agrícolas, de forma a aumentar exponencialmente a capacidade desses grupos para buscar lucros e vantagens. Esse seria o caminho mais curto para se atingir a destruição completa do cerrado, acompanhada do entupimento e do envenenamento dos rios.

Sabemos que os tais grupos são os principais responsáveis pela destruição do cerrado no oeste da Bahia e estão substituindo uma riquíssima biodiversidade por plantações de soja, algodão e café, além de usarem a água dos rios de forma irresponsável e contribuírem fortemente para seu assoreamento. Para completar o desastre, os mananciais são envenenados por toneladas de agrotóxicos que os poderosos agricultores despejam em suas lavouras. Se isso está acontecendo sem que eles ainda dominem a máquina do Estado, podemos imaginar o que nos espera quando tomarem o poder político.

Ninguém duvida de que eles têm como meta principal o lucro, pois isso é da natureza do capitalismo, mas, como sempre ocorre, esses grupos tentam se legitimar hipocritamente perante a sociedade. Como estratégia de legitimação, trazem à mesa o cardápio mais do que conhecido de justificativas: promoção do desenvolvimento, geração de empregos e obtenção de divisas. Acredite quem quiser.

Na verdade, o desenvolvimento alegado não passa de crescimento econômico puro e simples, sem qualquer preocupação social e ambiental. Para usar um termo da moda, é um crescimento insustentável. A geração de emprego é insignificante, considerando-se os prejuízos debitados na conta da natureza e o enorme contingente de mão-de-obra que vaga por nossas cidades. Tratando-se de uma agricultura intensiva no uso de máquinas, o que resta para o trabalho humano é muito pouco. A obtenção de divisas é real, mas a forma de obtê-las não é das melhores. Divisas podem ser conseguidas das mais diversas formas, e é uma pena que nosso país dependa tanto da exportação de commodities agrícolas para equilibrar sua balança comercial. Esse fato só revela o nosso atraso em termos educacionais e de desenvolvimento científico e tecnológico.

Nós do povo, que só provamos do fel da monocultura de exportação, não podemos ingenuamente aceitar que nos enganem com argumentos aparentemente corretos ou com apelos sentimentalistas e falsos a respeito do tal Estado do São Francisco. Há até quem sustente que o oeste baiano em nada se identifica culturalmente com as outras regiões da Bahia e existe quem recorra, para defender essa tese, ao fato histórico de que as terras situadas na margem esquerda do rio São Francisco pertenceram a Pernambuco até 1824.

Tomando-se a questão cultural como critério para a formação do novo Estado, então deveríamos respeitar todo o território do médio São Francisco e não apenas a área baiana à esquerda do grande rio, pois o que existe de específico por essas bandas é uma cultura sanfranciscana, moldada em séculos de isolamento como bem mostrou Wilson Lins. Além disso, se formos observar o critério cultural para justificar a idéia separatista, teremos forçosamente de admitir que o Brasil deve se dividir para formar vários países, considerando-se as notórias diferenças entre suas regiões. Será que os brasileiros concordam com isso?

Não podemos nos iludir com argumentos oportunistas ou ingênuos, assim como não devemos nos comportar como a boiada que segue apenas um boi, não importando o rumo tomado. Para reflexão, replico aqui uma das frases do artigo de d. Ricardo: “Um novo Estado deve ter uma forte base ética que coloque no centro a pessoa e o bem comum e não a economia”.

2 comentários:

  1. Não entro na questão da divisão do estado, pois isso é uma discussão que pertence à população da margem esquerda e também de seus filhos que se encontram distantes.
    Porém, é muito louvável saber que enfim parte da população vem a perceber o falso desenvolvimento que as monoculturas de soja e algodão trazem para a região. É muita terra ocupada, devastada e explorada para produzir uma coisa só, e pior, com uma margem de empregabilidade vergonhosa! Na monocultura há terras com tamanhos de grandes municípios, onde se emprega somente duas ou três pessoas. Sem ainda contar com os terríveis danos ambientais.
    Um exemplo disso, é o volume do Rio Grande que vem diminuido gradativamente com a proliferção dos pivôs centrais na região. Isso já foi constatado pela expedição "Brasil das águas", que percorreu a região. Inclusive passando por Jupaguá e Taguá.

    Acho que a região deveria não eliminar a monocultura, mas buscar novas formas de produção baseadas na agricultura familiar e agroindústria. Para isso, são necessárias políticas públicas e o problema é que isso a gente sabe que não existe por lá.

    Parabéns pelo texto tio! Muito bom!
    Pedro Ivo.

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  2. D. Ricardo,

    Vá conhecer em que se transformaram o Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso, ou mais perto, visite o Tocantins e vá bater um papo com seu conterrâneo ( de Itabuna) o Arcebispo de Goiás e veja se valeu ou não a pena a divisão territorial destes Estados.
    Quem é contra as divisões , é contra o progresso!
    Vivi as duas divisões e posso atestar. A autodeterminação dos Povos é uma chama latente do Progresso!
    Que venham mais divisões ( Bahia, Pará etc...)
    Salve o Estado do São Francisco !

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