sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Histórias de arrepiar

Eu acreditava no Romãozinho só um pouco. Mesmo ouvindo as histórias que eu ouvia desde muito pequeno, aquela entidade temida pelo povo do sertão sanfranciscano parecia algo distante que nunca chegaria perto de mim. Algumas vezes, eu sentia medo. Era quando corria a notícia de que o menino encantado e invisível, amaldiçoado pela própria mãe, havia se apossado de uma casa da cidade ou seus arredores e começara a praticar seu conhecido e desconhecido repertório de diabruras: colocar estrume nas panelas que cozinhavam no fogão, atirar pedras no telhado, jogar objetos dos moradores no quintal, mudar móveis de lugar. A criatividade do capetinha para infelicitar as pessoas era ilimitada e aterrorizante, ainda mais sendo ele invisível e imprevisível.

Nessas ocasiões, meu pai sempre lembrava uma história. O Romãozinho havia se instalado numa casa de fazenda e já estava chamando a atenção da cidade e seus arredores com as inacreditáveis narrações que se espalhavam rapidamente sobre suas estripulias. Querendo tirar prova dos fatos, uma comitiva de senhores respeitáveis da cidade partiu numa manhã, bem cedo, para a dita fazenda. Ao chegarem, amarram seus cavalos em troncos de árvores defronte à casa onde o terrorista sobrenatural se hospedara e trataram de fazer a verificação imediatamente. Observaram a sala, e nada. Verificaram a cozinha, tudo normal. Entraram pelos quartos, e nem sinal do Romãozinho. Quando se aproximaram todos de um cômodo que estava repleto de algodão colhido naqueles dias pelo proprietário, a surpresa. Flocos e mais flocos brancos, sem que houvesse qualquer sinal de ventania, iam-se transformando em bolas de fogo e voando na direção dos incrédulos. Antes que morressem queimados, correram para fora da casa e... outra supresa. Os cavalos tinham sido desamarrados e sumiram na mata.

Eu sempre ouvira essa história com toda reverência e respeito. Afinal, o narrador merecia incondicionalmente minha confiança, não havendo porque dele duvidar. Depois, quando não se ouvia mais falar no Romãozinho e a vida voltava ao normal, eu perdia o medo e recaía nas traquinagens de sempre, já que nem os adultos se lembravam mais do diabinho e deixavam de lado as ameaças envolvendo seu nome. Era como se aquele filho das trevas não existisse, até que ele fizesse outra visita inesperada a alguma residência das proximidades.

Lembro-me da última vez que isso aconteceu, pelo menos até eu deixar a cidade em busca de outros destinos. Eu estava entrando na adolescência, aquela fase em que os valores e as crenças começam a passar por mudanças. Já não respondia como antes ao controle que os adultos tentavam exercer e sentia-me quase imune aos perigos. Então, fui à luta.

Segui numa comitiva de garotos de minha idade para enfrentar a fera, caso ela fosse capaz de dar as caras a tão intrépidos guerreiros. No fundo, nossa valentia derivava de uma certa descrença que, àquela altura, passamos a ter no Romãozinho. Havia passado tanto tempo de sua última aparição, que já nem o temíamos. São as tais armadilhas da memória. Chegamos. O silêncio dominava o ambiente, os moradores não davam sinal de vida.

- Romãozinho não existe! – gritei atrevido no momento em que colocava o pé direito no batente da porta observando o telhado da casa por dentro.

Foi das proximidades do telhado, cerca de trinta centímetros abaixo da cumieira, que eu vi surgir do nada um torrão de barro, aproximadamente do tamanho de uma bola de pingue-pongue. Ela veio zunindo na minha direção, numa velocidade aterrorizante, como se fosse atingir minha testa, mas, não sei por qual motivo passou bem perto de minha cabeça e foi se espatifar no terreiro em frente.

Voltei o mais rápido que pude para casa e nunca mais tive dúvidas sobre a existência do Romãozinho.

2 comentários:

  1. Fantástica a narrativa! Também já ouvi muitas histórias do Romãozinho. As peripécias deste personagem sobrenatural ainda assusta muita gente. Entre mistérios, sinais e os desdobramentos dos fatos estamos sempre a questionar e a querer confirmar a existência para além da imaginação desta figura travessa. Por enquanto não cai em nenhuma armadilha do famoso Romãozinho... (Risos...)

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  2. Oi, Romênia,

    Assim como outras aparições do sertão do Velho Chico, acho que o Romãozinho está perdendo espaço no imaginário do povo. Mas, de que ele existe eu não tenho dúvida.

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