sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A cara do São Francisco

O rio São Francisco nunca mais foi o mesmo depois de Francisco Guarany. Ele criou um estilo de carranca que acabou por se transformar numa espécie de marca do Velho Chico, sendo imitado pela maioria dos escultores de figuras de proa que vieram depois. “O elemento plástico mais característico da escultura de Guarany é o tratamento que dispensa à cabeleira das carrancas, espessa ou em relevo acentuado, abundante, cobrindo quase todo o pescoço”, observa o pesquisador Paulo Pardal, no seu livro “Carrancas do São Francisco”. Nas raras vezes em que a cabeleira não aparece, foi “pra sair mais barato”, nas palavras do próprio Guarany. É possível que não se encontre em qualquer criador de carrancas a expressividade e a originalidade verificada nas esculturas de madeira zooantropomórficas imaginadas e executadas por esse artista do rio Corrente.

Onde estão as carrancas feitas por Guarany? Estima-se que o mestre de Santa Maria da Vitória construiu centenas delas, tendo sido talvez aquele que mais teve esculturas ornamentando as proas de barcas do Velho Chico. Algumas estão em museus, outras nas mãos de colecionadores, e muitas simplesmente não existem mais.

A primeira carranca de Guarany, “um busto de negro ou de caboclo”, nas suas próprias palavras, foi feita em 1901 para a barca Tamandaré, quando ele tinha apenas 17 anos de idade. A segunda se concretizou em 1905, para a mesma barca, que se acidentou, mudou de dono e passou por reformas, recebendo o nome de Nacional. Veio a terceira em 1907, e as encomendas foram chegando de vários pontos do Velho Chico e afluentes – Juazeiro, Januária, Barreiras etc.

As carrancas começaram a desaparecer do São Francisco no início da década de 1940, quando as barcas tradicionais, movidas a remo e varas, passaram a ser substituídas por embarcações a vela e a motor. A partir dessa época, Guarany, que havia produzido quase cem figuras de proa, passou cerca de dez anos sem criar uma única escultura, voltando ao exercício de sua arte no início da década de 1950, quando começou receber encomendas de colecionadores. Dessa época em diante, ele produziu centenas de carrancas.

Não é do meu conhecimento a existência de algum museu que tenha como objetivo reunir, dentro do possível, a obra de Guarany, o que seria uma iniciativa de grande mérito, seja por parte do poder público ou de particulares. Inquestionavelmente, trata-se de um patrimônio importantíssimo da cultura brasileira que não pode e nem deve permanecer invisível.

O Velho Chico e seu povo agradecem.

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