segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Benjamim Guimarães e os vapores do Velho Chico

João Carlos Figueiredo*

O São Francisco já foi conhecido como o "Rio da Integração Nacional". Isso porque, desde a década de 1920, cerca de 30 vapores e dezenas de barcas de porte médio faziam a rota de Pirapora, em Minas Gerais, a Juazeiro, na Bahia, transportando passageiros e cargas por uma extensão superior a 1.300 quilômetros.

Alguns desses vapores foram trazidos do Mississipi, Estados Unidos, onde navegavam desde o século XIX e foram aposentados, com o surgimento das embarcações movidas a óleo diesel. O vapor Benjamin Guimarães foi um deles; construído em 1913, passou primeiro pelo Amazonas e chegou a Pirapora em meados da década de 1920.

A história dos vapores está intimamente ligada à aristocracia social do Nordeste e ao desmatamento nessa região do São Francisco. À primeira, porque em seus camarotes viajavam os nobres de Barra, na Bahia, e de outras cidades da nobreza da época, em suas andanças pelas cidades do oeste baiano e mineiro. Ainda hoje Barra ostenta seus casarões suntuosos e o que resta de sua aristocracia e tradições burguesas.

Mas são os danos ao meio ambiente que marcaram a história desses vapores. Consumindo um metro cúbico de madeira por hora, pode-se imaginar o custo ambiental de uma viagem de mil e trezentos quilômetros! Primeiro foram as matas ciliares, derrubadas sem piedade por lenhadores que vendiam a madeira na passagem dos vapores.

Se inicialmente havia algum critério na escolha dos melhores troncos, aqueles que produziam mais calor nas caldeiras, com o tempo essa madeira foi se escasseando e já se aceitava qualquer tipo de arbusto derrubado, desde que os barcos não parassem de circular, escoando a produção do Nordeste e do estado de Minas Gerais.

Depois, com a extinção da mata ciliar em quase todo o trajeto dos vapores, passou-se a atacar as madeiras mais nobres da caatinga e, finalmente, dos cerrados. O desastre foi tremendo e pode-se constatar ainda hoje a devastação causada por esse meio de transporte. É certo que não foi o único, pois muitas indústrias ainda hoje se alimentam do carvão produzido nos fornos que se ocultam nessas paragens... mas o vapor teve seu papel preponderante para que, na década de 1980, os militares determinassem a extinção dessas emarcações tradicionais do São Francisco.

Restou o Benjamin Guimarães... tendo passado por vários proprietários, públicos e privados, e por duas reformas restauradoras, o vapor permanece na ativa, agora como barco de turismo, utilizando madeira de reflorestamento de eucalipto, e percorrendo o trecho que lhe coube, de Pirapora a Januária, ambas cidades mineiras.

Com a construção da represa de Sobradinho, no final da década de 1970, o trecho navegável para os vapores se resumiu a esse pequeno trajeto. As enormes ondas provocadas pelos ventos tornaram a navegação no lago de 350 km de extensão e até 60 km de largura, perigosas demais para essas embarcações; e o assoreamento fez o resto.

Atualmente, existem trechos do rio cuja profundidade máxima não passa dos três metros! Mesmo nos trechos navegáveis, percorridos pelo Benjamin Guimarães, sua passagem só é possível com a abertura das comportas de Três Marias e o aumento do volume de águas correspondente a uma lâmina de água de quase um metro!

Os vapores ficaram na memória dos saudosistas e na lembrança de seus comandantes... a nova era do agro-negócio e das rodovias sepultou essas embarcações, e mesmo o Benjamin Guimarães tem seu papel questionado por ainda utilizar madeira, mesmo de reflorestamento, como combustível de suas caldeiras... afinal, sua operação ainda seria rentável, ou ela se sustenta nos subsídios públicos que viabilizariam os negócios turísticos de Pirapora?

Uma certeza permanece: a navegabilidade do Velho Chico é um propósito louvável e deveria estar incluída em um projeto de revitalização integrada, compreendendo ações de despoluição das águas, de contenção imediata dos desmatamentos e de recuperação das áreas degradadas. Sem isso, como se pensar em distribuir as suas águas?

* O autor, que é ambientalista, canoísta, espeleólogo, mergulhador e montanhista, realizou, em 2009, uma viagem de canoa da nascente à foz do rio São Francisco. Este artigo foi escrito especialmente para o Vapor Encantado.

Um comentário:

  1. É realmente desastroso o impacto provocado pelo desmatamento das matas ciliares e do cerrado. a escassez pluviométrica e o aumento considerável da temperatura são alguns dos impactos produzidos por essa barbarie.
    Entretanto as cidades ribeirinhas continuam a batalha pela subsistência. Algumas cidades imponentes na época cairam num abismo de esquecimento e não cresceram depois da construção de sobradinho.
    A Barra é uma destas cidades que ficou literalmente "ilhada" com a redução do trafego fluvial no São Francisco, tendo o Velho Chico entre sua saída para Xique-Xique e o Rio Grande para Ibotirama até a década de 90.
    Hoje estradas precárias voltam a tornar difícil o acesso a bela e hospitaleira cidade.

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