segunda-feira, 29 de março de 2010

Recado do blogueiro

Leitores e leitoras,

Logo, logo, este blog voltará a se atualizar regularmente. Neste momento, o blogueiro está navegando por água dura. Explicando melhor, está com problemas de saúde.

Obrigado.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Petrolina: minha São Paulo do Sertão

Cida Pedrosa*

É a primeira vez que começo um artigo pelo título. Petrolina é uma referência tão grande de equilíbrio pessoal para mim que ao escrever sobre ela já sei, exatamente, o rumo que quero dar ao texto, portanto, natural que o título sobrevenha à narrativa. Fui morar e trabalhar em Petrolina em 1990, mês de abril. Experiência ímpar. Eu, sertaneja de Bodocó, retirante estudantil em Recife desde os idos de 1978, voltava para o sertão para continuar o ofício de advogada de sindicatos rurais, militância que seguia religiosamente e abraçara por convicção desde a formatura em direito no ano de 1987. Foi minha primeira experiência profissional no sertão e a volta às origens por um longo espaço de tempo.

Quando cheguei a Petrolina estava fugindo. Cabra marcada pra morrer, jurada de morte pelo poder latifundiário de Palmares, que já havia atentado contra minha vida duas vezes e com a sanha de terminar o serviço. Meus nervos estavam em frangalhos, não conseguia ficar de costa para uma porta, beber em bares de uma porta só, com todos os músculos afiados para o contra-ataque; Dizer que o coração estava em surto é eufemismo, imagem do cansaço era meu nome. Foi esta mulher que Petrolina recebeu e acolheu.

Durante o período de moradia em Palmares, a vida era tão urgente e a morte tão certa que parei de escrever. É como se a poesia não coubesse no meio de tanta pauleira. Um incidente colaborou com isso. Incendiaram minha biblioteca e junto com o acervo se foi um original de um livro meu. Inconformada com a perda, fiquei um tempão tentando reescrever os poemas sem conseguir; isso é um fantasma na minha produção. Volta e meia quero perseguir o verso escrito e perdido e ele escapa nas chamas da inconsciência.

A ida, a Petrolina, tinha um fim em si mesma. A missão era preservar minha vida, manter o afastamento da zona da mata, ficar o mais invisível possível e colaborar com a luta dos trabalhadores assalariados do Vale do São Francisco. Por questão de segurança voltei a usar o nome de nascença, Maria Aparecida Pedrosa Bezerra, deixando a alcunha de Cida Pedrosa nas águas do Capibaribe. Arregacei as mangas e fui me pondo de novo em pé para a luta, quando dei fé tinha pegado a dor pela crina, derrubado o medo no chão e a poesia nadava solta pelas águas do Velho Chico.

Fui conhecendo por dentro uma nova Petrolina; não a cidade vista pelos olhos de uma garota de 08 anos, com sua ponte que levantava e o vapor que passava no gostoso vai-vem; cheia de pés de goiaba nativa na beira do rio; sem a Barragem de Sobradinho e seus ribeirinhos com medo das cheias. E sim uma Petrolina poliglota, repleta de contradições como todas as grandes cidades. Uma terra-porto para sertanejos de outros sertões, cidadãos de outros estados e para uma leva de estrangeiros de todos os matizes.

Nova São Paulo, novo oeste para onde acorreram os que queriam mudar de vida, de sorte e de esperança. Com dificuldade de conviver com suas rezadeiras ancestrais e a exportação pesada de frutas. O samba de véio da Ilha Massangano e o axé da Bahia; A lenda do Negro D’Água e as lanchas velozes varando o Rio. Mas uma cidade que se recicla, está atenta e conta com o sentimento de pertença dos homens e mulheres que lá chegaram. Não sei se é mais petrolinense os que na terra nasceram ou os que chegaram e venceram.

Em pouco tempo voltei a escrever e contei com a parceria do meu compadre e poeta Davi Souza, com quem dividi mesas no Beco da Poesia, sonhos de luta e versos. Poeta de boa lavra e com uma preguiça danada de sistematizar e batalhar a publicação, como era de se esperar de um bom baiano de Euclides da Cunha e de quem guardo carinho e uns versos feitos pra mim:

tristes são os olhos
do poeta
quando a musa é de vidro
e sua poesia é de pedra

Em 1993, no meu aniversário de 30 anos, fizemos um sarau poético na Ilha do Rodeadouro, quando só existia um único bar, não havia transporte permanente e o acesso era previamente acertado com os ribeirinhos e suas canoas. Varamos a madrugada, acolhemos o sol com as mãos enquanto molhávamos os pés nas águas de vossa santidade - o São Francisco.

Parte dos textos do meu livro Cântaro foi escrita em Petrolina, entre uma descida e uma subida no Rio, entre uma palavra de ordem e uma cachaça Claudinor. Saí de lá em abril de 1995, de volta para Recife, refeita e com meu filho, Francisco, em baixo das asas.

Em janeiro deste ano. fiz, junto com minha família, uma viagem especial a Petrolina. Vínhamos de Bodocó, Crato e Juazeiro do Norte, cumprindo um itinerário poético e fazendo contato com os poetas de lá. Ao chegarmos em Petrolina, eu e meu companheiro Sennor Ramos procuramos o poeta Maurício Ferreira, coordenador do Espaço Cultural Rebuliço, em torno do qual fervilha a poética local. Ele nos recebeu com carinho e nos presenteou com uma edição da antologia poética Poetas em Rebuliço - Perfil Contemporâneo da Criação Poética no eixo Petrolina/Juazeiro - editada pela União Brasileira de Escritores - Núcleo de Petrolina - e nos indicou a professora Elisabet Gonçalves Moreira que havia organizado, no ano de 1995, a antologia: Poética Ribeirinha - Antologia Literária de Petrolina, editada pela UPE - Universidade de Pernambuco.

Dividimos com Maurício e Elisabet a nossa intenção de fazer uma mostra da poesia de Petrolina, dos nascidos e dos com militância literária local, para publicarmos na IINTERPOÉTICA, o que foi aceito pelos dois. Ao conversarmos com Elisabet, ela nos cedeu, em meio digital, as poesias da sua antologia e escreveu um texto para nosso: Especial Petrolina.

Nas duas antologias constam poemas do poeta Carlos Laerte, que militou comigo no Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco, até a sua volta para Petrolina e que continua escrevendo uma poética de poemas curtos e cheios de humanidades.
É sempre bom rever amigos, visitar paisagens conhecidas e principalmente poder contribuir com a divulgação dos que fazem ou fizeram a resistência cultural de uma terra cheia de sol, de vinho e cachaça, de umbu e uva, cujo norte é delimitado pelas curvas do seu rio. Para encerrar desejo a todos a proteção das carrancas e fecho com o poema Duas Faces de Maurício Ferreira:

Dois portos para o mesmo leito
Duas imagens para o mesmo sonho
Duas faces para o mesmo pranto...

Petrolina da passagem
Juazeiro da lordeza.
História singrada por vapores e barcas
Tangida pelo relho dos tropeiros
Manchada com o sangue dos cariris
Sentida no peito dos remeiros

Unidas e separadas
Por claras e turvas águas correntes
Por mitos e lendas irmanadas
Veios da mesma vertente...

Em redemoinhos perdidos no tempo
Naufragaram paquetes e sonhos
Traíram ventos e velas
Rasgaram o ventre das crenças.

* A autora é poeta nascida em Bodocó, sertão de Pernambuco, tendo vários livros publicados. Este texto integra a publicação virtual Interpoética (http://www.interpoetica.com).

quinta-feira, 11 de março de 2010

Velho Chico na poesia



Carrancas do rio São Francisco - Carlos Drummond de Andrade

As carrancas do Rio São Francisco
largaram suas proas e vieram
para um banco da Rua do Ouvidor.

O leão, o cavalo, o bicho estranho
deixam-se contemplar no rio seco,
entre cheques, recibos, duplicatas.

Já não defendem do Caboclo-d'água
o barqueiro e seu barco. Porventura
vêm proteger-nos de perigos outros
que não sabemos, ou contra os assaltos
desfecham seus poderes ancestrais
postados no salão, longe das águas?

Interrogo, perscruto, sem resposta,
as rudes caras, os lanhados lenhos
que tanta coisa viram, navegando
no leito cor de barro. O velho Chico
fartou-se deles, já não crê nos mitos
que a figura da proa conjurava,
ou contra os mitos já não há defesa
nos mascarões zoomórficos enormes?

Quisera ouvi-los; muitos contariam
de peixes e de homens, na difícil
aventura da vida dos remeiros.

O rio, esse caminho de canções,
de esperanças, de trocas, de naufrágios,
deixou nas carrancudas catadeiras
um traço fluvial de nostalgia,
e vejo, pela rua do Ouvidor,
singrando o asfalto, graves, silenciosos,
o leão, o cavalo, o bicho estranho...

quarta-feira, 10 de março de 2010

O Chico também tem música clássica

Outro dia publiquei aqui um desabafo de José Theodomiro de Araújo, o "Velho do Rio", sobre a "erosão cultural" do rio São Francisco. O estrago é grande, é verdade, mas nem tudo está perdido, mesmo sendo necessária uma revitalização cultural de grande porte, como já defendi por aqui.

Hoje uma informação de Traipu, cidade alagoana beiradeira, deixou-me contente. Veja o leitor um trecho do que foi divulgado pela Agência Alagoas, com o título "A música às margens do Velho Chico":

"Formada atualmente por 75 músicos, a Orquestra Lira Traipuense representa a mais fiel tradição musical do município de Traipu. Dessa localidade às margens do rio São Francisco já surgiram regentes conhecidos até mesmo nacionalmente. Toda essa trajetória erudita tem feito com que muitos jovens e até mesmo crianças sigam os mesmos exemplos. No comando do grupo, há 42 anos, encontra-se o maestro Antônio Basílio.

Para ilustrar a força da cultura musical erudita em Traipu, Antônio Basílio, um senhor de 70 anos de idade, lembra de músicos nascidos na cidade e que chegaram a despontar em várias regiões do Brasil. Um dos principais é o regente Florentino Dias, considerado 'uma das glórias da música erudita no Brasil'."

sábado, 6 de março de 2010



Escandalosa, mentirosa, criminosa, dissimulada. Estes são apenas alguns adjetivos que podemos atribuir à multinacional do veneno Monsanto, a mesma empresa que agora anda tirando onda de defensora do meio ambiente. Até parece...

O livro da jornalista francesa Marie-Monique Robin, "O mundo segundo a Monsanto", mostra exatamente quem é esse monstro que vem causando desastres ambientais mundo afora. Não deixe de ler, prezado leitor.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Silvos alarmantes

O monstro que desapareceu da gruta do Bom Jesus pode estar de volta sob nova aparência

Na gruta de Bom Jesus da Lapa, havia uma cobra-de-asas que aterrorizava a todos, mas, segundo Wilson Lins, o ilustre escritor de Pilão Arcado, aquele monstro demoníaco teria perdido as penas, ficando sem capacidade para voar, por obra e graça dos incontáveis ofícios de Nossa Senhora lá rezados. Aonde foi parar o tal bicho encantado, desaparecido e jamais visto?

Tenho cá meu palpite, querido leitor ou leitora. Analise os fatos com serenidade, veja os argumentos e as comparações, repasse depois todo o trajeto do meu raciocício, que não é infalível, e finalmente tire suas próprias conclusões. Reconheço que posso tropeçar na busca da verdade, risco a que está sujeita qualquer pessoa, da mais simples à mais sábia. Ah, isso eu tenho de reconhecer, pois neste mundão sem manual de instruções a certeza completa de qualquer coisa é produto muito raro. Mesmo assim, posso garantir e dou minha palavra de honra: tudo que está dito aqui é sincero.

Então, siga-me, leitor. Tendo perdido as penas e ficado impossibilitada de voar, não restaria outro caminho senão o de se arrastar entre rochas e buscar um abrigo onde as preces dos devotos não pudessem ser ouvidas. Pode ser também que por milagre, tenha deixado de existir, como muitos afirmam, mas não acredito nessa hipótese, pois os ofícios de Nossa Senhora eram rezados com a intenção de depenar o montro e não de destruí-lo. Este é o meu palpite: a serpente, ameaçada por tantas forças poderosas, meteu-se silenciosamente pelas gretas, e acabou escapando para os matos, indo parar não se sabe onde.

Muito tempo depois da fuga, a serpente pode ter recuperado seus poderes e, de forma dissimulada, passou a atacar suas vítimas. Tão grande seria o dom de iludir dessa filha do cramunhão que suas próprias vítimas se sentiriam beneficiadas com seus atos, mal sabendo que o suplício viria quando elas menos esperassem.

Pois bem, tenho observado que empresas de “alta tecnologia” estão oferecendo o paraíso aqui na terra, ao dizer para os agricultores e a população em geral que as sementes desenvolvidas em seus laboratórios, conhecidas como transgênicas, são milagrosas, pois produzem muito mais do que aquelas já conhecidas e não fazem mal algum. A principal delas, a Monsanto, depois de lançar seus venenos pelos campos, está agora se fazendo de santa e vive trombeteando uma inédita preocupação com a saúde ambiental do cerrado brasileiro. Como se diz por aí, “quando a esmola for grande, desconfie do santo”. Na minha opinião, leitor e leitora, essa tal Monsanto é uma cobra de asas disfarçada. Fiquem longe dela e não acreditem em seus programas de recuperação ambiental aparentemente bem-intencionados.

Não me interprete mal, prezado leitor, e nem tome minhas afirmações como definitivas sobre a nova aparência da cobra de asas. E digo mais: mesmo que a Monsanto seja outra coisa qualquer, acho que ela é tão ou mais aterrorizante que o diabólico ofídio alado de Bom Jesus da Lapa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Erosão cultural

“Nós acabamos culturalmente. A erosão não é só física. Tem erosão cultural muito grande aí. Hoje você chega no São Francisco e tem dificuldade para comer um bode assado ou um dourado. Não se come mais uma carne desfiada na abóbora, não se come mais beiju. Agora é presunto no café da manhã, com melão, e não tem mais cuscuz com ovos. Só comida de europeu. Nós acabamos com a cultura do São Francisco”.

José Theodomiro de Araújo, o velho Theo, defensor incansável do Velho Chico, em palestra proferida em 2002, em Juazeiro.

terça-feira, 2 de março de 2010

Tardes sanfranciscanas

Era bom apoiar os cotovelos na balaustrada do cais da Barra, à sombra de uma mangubeira qualquer, e olhar para o rio São Francisco. Lá vinha ele com sua água barrenta, descendo e passando solene à nossa frente. Parecia ignorar o pobre rio Grande que chegava dos lados de Goiás com sua água límpida tentando se aconchegar no caudal poderoso que descia de Minas. Era como se o orgulhoso São Chico dissesse: “Não me misturo com qualquer um.” Birra besta e passageira, e a prova disso é que logo abaixo da cidade da Barra os dois se abraçavam e se fundiam num casamento perfeito, como se nada tivesse acontecido.

Eu gostava de ver a chegada e a partida das barcas e fofa-barrancos, que levantavam maretas, balançando as canoas atracadas na margem, e assustavam os passsarinhos. Melhor ainda era quando um grito malandro agitava a tarde, acabando com o longo silêncio da sesta e catalisando a animação na velha praça do mercado.

Tardes quentes e divertidas, repletas de gaiatice. Os doidos, os simples e os brejeiros eram alvos preferenciais dos gaiatos do cais, com sua capacidade infinita de criar apelidos hilariantes. Os bêbados assumiam, às vezes, o protagonismo do divertimento vespertino. As moças educadas que estudavam no colégio das freiras mudavam de caminho, os homens respeitáveis observavam carrancudos à distância e as senhoras mais velhas nem se aventuravam a andar por aquelas quebradas bravias. A praça e o jardim adjacente ficavam entregues à turba insana e irreverente.

Aquelas tardes ociosas, vadias e inúteis até hoje me sustentam.

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