quinta-feira, 11 de março de 2010

Velho Chico na poesia



Carrancas do rio São Francisco - Carlos Drummond de Andrade

As carrancas do Rio São Francisco
largaram suas proas e vieram
para um banco da Rua do Ouvidor.

O leão, o cavalo, o bicho estranho
deixam-se contemplar no rio seco,
entre cheques, recibos, duplicatas.

Já não defendem do Caboclo-d'água
o barqueiro e seu barco. Porventura
vêm proteger-nos de perigos outros
que não sabemos, ou contra os assaltos
desfecham seus poderes ancestrais
postados no salão, longe das águas?

Interrogo, perscruto, sem resposta,
as rudes caras, os lanhados lenhos
que tanta coisa viram, navegando
no leito cor de barro. O velho Chico
fartou-se deles, já não crê nos mitos
que a figura da proa conjurava,
ou contra os mitos já não há defesa
nos mascarões zoomórficos enormes?

Quisera ouvi-los; muitos contariam
de peixes e de homens, na difícil
aventura da vida dos remeiros.

O rio, esse caminho de canções,
de esperanças, de trocas, de naufrágios,
deixou nas carrancudas catadeiras
um traço fluvial de nostalgia,
e vejo, pela rua do Ouvidor,
singrando o asfalto, graves, silenciosos,
o leão, o cavalo, o bicho estranho...

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