sexta-feira, 12 de março de 2010

Petrolina: minha São Paulo do Sertão

Cida Pedrosa*

É a primeira vez que começo um artigo pelo título. Petrolina é uma referência tão grande de equilíbrio pessoal para mim que ao escrever sobre ela já sei, exatamente, o rumo que quero dar ao texto, portanto, natural que o título sobrevenha à narrativa. Fui morar e trabalhar em Petrolina em 1990, mês de abril. Experiência ímpar. Eu, sertaneja de Bodocó, retirante estudantil em Recife desde os idos de 1978, voltava para o sertão para continuar o ofício de advogada de sindicatos rurais, militância que seguia religiosamente e abraçara por convicção desde a formatura em direito no ano de 1987. Foi minha primeira experiência profissional no sertão e a volta às origens por um longo espaço de tempo.

Quando cheguei a Petrolina estava fugindo. Cabra marcada pra morrer, jurada de morte pelo poder latifundiário de Palmares, que já havia atentado contra minha vida duas vezes e com a sanha de terminar o serviço. Meus nervos estavam em frangalhos, não conseguia ficar de costa para uma porta, beber em bares de uma porta só, com todos os músculos afiados para o contra-ataque; Dizer que o coração estava em surto é eufemismo, imagem do cansaço era meu nome. Foi esta mulher que Petrolina recebeu e acolheu.

Durante o período de moradia em Palmares, a vida era tão urgente e a morte tão certa que parei de escrever. É como se a poesia não coubesse no meio de tanta pauleira. Um incidente colaborou com isso. Incendiaram minha biblioteca e junto com o acervo se foi um original de um livro meu. Inconformada com a perda, fiquei um tempão tentando reescrever os poemas sem conseguir; isso é um fantasma na minha produção. Volta e meia quero perseguir o verso escrito e perdido e ele escapa nas chamas da inconsciência.

A ida, a Petrolina, tinha um fim em si mesma. A missão era preservar minha vida, manter o afastamento da zona da mata, ficar o mais invisível possível e colaborar com a luta dos trabalhadores assalariados do Vale do São Francisco. Por questão de segurança voltei a usar o nome de nascença, Maria Aparecida Pedrosa Bezerra, deixando a alcunha de Cida Pedrosa nas águas do Capibaribe. Arregacei as mangas e fui me pondo de novo em pé para a luta, quando dei fé tinha pegado a dor pela crina, derrubado o medo no chão e a poesia nadava solta pelas águas do Velho Chico.

Fui conhecendo por dentro uma nova Petrolina; não a cidade vista pelos olhos de uma garota de 08 anos, com sua ponte que levantava e o vapor que passava no gostoso vai-vem; cheia de pés de goiaba nativa na beira do rio; sem a Barragem de Sobradinho e seus ribeirinhos com medo das cheias. E sim uma Petrolina poliglota, repleta de contradições como todas as grandes cidades. Uma terra-porto para sertanejos de outros sertões, cidadãos de outros estados e para uma leva de estrangeiros de todos os matizes.

Nova São Paulo, novo oeste para onde acorreram os que queriam mudar de vida, de sorte e de esperança. Com dificuldade de conviver com suas rezadeiras ancestrais e a exportação pesada de frutas. O samba de véio da Ilha Massangano e o axé da Bahia; A lenda do Negro D’Água e as lanchas velozes varando o Rio. Mas uma cidade que se recicla, está atenta e conta com o sentimento de pertença dos homens e mulheres que lá chegaram. Não sei se é mais petrolinense os que na terra nasceram ou os que chegaram e venceram.

Em pouco tempo voltei a escrever e contei com a parceria do meu compadre e poeta Davi Souza, com quem dividi mesas no Beco da Poesia, sonhos de luta e versos. Poeta de boa lavra e com uma preguiça danada de sistematizar e batalhar a publicação, como era de se esperar de um bom baiano de Euclides da Cunha e de quem guardo carinho e uns versos feitos pra mim:

tristes são os olhos
do poeta
quando a musa é de vidro
e sua poesia é de pedra

Em 1993, no meu aniversário de 30 anos, fizemos um sarau poético na Ilha do Rodeadouro, quando só existia um único bar, não havia transporte permanente e o acesso era previamente acertado com os ribeirinhos e suas canoas. Varamos a madrugada, acolhemos o sol com as mãos enquanto molhávamos os pés nas águas de vossa santidade - o São Francisco.

Parte dos textos do meu livro Cântaro foi escrita em Petrolina, entre uma descida e uma subida no Rio, entre uma palavra de ordem e uma cachaça Claudinor. Saí de lá em abril de 1995, de volta para Recife, refeita e com meu filho, Francisco, em baixo das asas.

Em janeiro deste ano. fiz, junto com minha família, uma viagem especial a Petrolina. Vínhamos de Bodocó, Crato e Juazeiro do Norte, cumprindo um itinerário poético e fazendo contato com os poetas de lá. Ao chegarmos em Petrolina, eu e meu companheiro Sennor Ramos procuramos o poeta Maurício Ferreira, coordenador do Espaço Cultural Rebuliço, em torno do qual fervilha a poética local. Ele nos recebeu com carinho e nos presenteou com uma edição da antologia poética Poetas em Rebuliço - Perfil Contemporâneo da Criação Poética no eixo Petrolina/Juazeiro - editada pela União Brasileira de Escritores - Núcleo de Petrolina - e nos indicou a professora Elisabet Gonçalves Moreira que havia organizado, no ano de 1995, a antologia: Poética Ribeirinha - Antologia Literária de Petrolina, editada pela UPE - Universidade de Pernambuco.

Dividimos com Maurício e Elisabet a nossa intenção de fazer uma mostra da poesia de Petrolina, dos nascidos e dos com militância literária local, para publicarmos na IINTERPOÉTICA, o que foi aceito pelos dois. Ao conversarmos com Elisabet, ela nos cedeu, em meio digital, as poesias da sua antologia e escreveu um texto para nosso: Especial Petrolina.

Nas duas antologias constam poemas do poeta Carlos Laerte, que militou comigo no Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco, até a sua volta para Petrolina e que continua escrevendo uma poética de poemas curtos e cheios de humanidades.
É sempre bom rever amigos, visitar paisagens conhecidas e principalmente poder contribuir com a divulgação dos que fazem ou fizeram a resistência cultural de uma terra cheia de sol, de vinho e cachaça, de umbu e uva, cujo norte é delimitado pelas curvas do seu rio. Para encerrar desejo a todos a proteção das carrancas e fecho com o poema Duas Faces de Maurício Ferreira:

Dois portos para o mesmo leito
Duas imagens para o mesmo sonho
Duas faces para o mesmo pranto...

Petrolina da passagem
Juazeiro da lordeza.
História singrada por vapores e barcas
Tangida pelo relho dos tropeiros
Manchada com o sangue dos cariris
Sentida no peito dos remeiros

Unidas e separadas
Por claras e turvas águas correntes
Por mitos e lendas irmanadas
Veios da mesma vertente...

Em redemoinhos perdidos no tempo
Naufragaram paquetes e sonhos
Traíram ventos e velas
Rasgaram o ventre das crenças.

* A autora é poeta nascida em Bodocó, sertão de Pernambuco, tendo vários livros publicados. Este texto integra a publicação virtual Interpoética (http://www.interpoetica.com).

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