segunda-feira, 5 de abril de 2010

Simão Corneta, o pescador*

Conta-se que em Manga havia um pescador chamado Simão Corneta, homem pobre e pai de muitos filhos que não poucas vezes ficavam em casa, famintos, aguardando sua volta para comer o que ele porventura conseguisse pegar e trazer do rio. Certo dia Simão saiu para pescar. Juntou suas linhas e anzóis, arrumou as iscas na cumbuca própria, despediu-se dos filhos, fez o sinal da cruz, entrou na canoa e remou rio abaixo sem pressa, à procura de um bom lugar. Foi remando, remando, até que chegou na barra do rio Verde Grande, e lá encontrou outros pescadores que, como ele, também alimentavam o desejo de fisgar um surubim de bom tamanho. Mas apesar de terem se dedicado a essa empreitada nos três dias que haviam ficado para trás, esses homens continuavam a zero na pescaria, sem, no entanto, se desesperançarem.

Simão era um deles, e por isso ali ficou durante três dias completos, paciente, perseverante, mesmo não sentindo na linha nenhum puxão que pudesse animá-lo e recompensá-lo pela tediosa vigília. Mas no quarto dia, assim que o sol esquentou, ele resolveu descansar um pouco, e para isso desceu da canoa e foi até à cabana de um velho pescador que morava não muito longe dali. Lá chegando, deitou-se em um canto da sala e adormeceu profundamente. Horas depois, já acordado, mas ainda de olhos fechados, ouviu quando a mulher do dono da casa perguntou ao marido, em voz baixa, se havia explicação para a má sorte do adormecido, e este lhe respondeu que tudo se devia ao fato do moço não conhecer os segredos do rio. Ela então pediu que o velho pescador os revelasse ao rapaz, mas o homem não só se recusou a fazê-lo por considerar que tudo era muito perigoso, como também explicou que sendo Simão Corneta ainda relativamente jovem e, portanto, impulsivo, certamente não resistiria aos tentadores encantos da Mãe d’Água se porventura lhe fosse pedir seu beneplácito. Continuando, disse ele que a rainha das águas costumava aparecer à meia-noite em uma pedra lisa que ficava na primeira curva rio abaixo, pouco adiante dali, e que era preciso muita coragem para chegar lá, jogar para a dona do rio o fumo de que ela gostava, e fugir o mais depressa possível, para não ser apanhado pela devoradora de homens.

Conhecedor do segredo, Simão fingiu então que acordava, levantou-se sem pressa, aceitou o peixe com pirão que a dona da cada lhe ofereceu, despediu-se do casal que o recebera, voltou para a canoa e tratou de remar até a curva do rio a que o velho pescador se referira. Nesse momento a lua clareou o rio de forma exuberante, transformando-o em uma avenida prateada, e pouco tempo depois, quando chegou a meia-noite, um vento forte soprou em direção contrária à das águas, arrepiando-as levemente, dois ou três galos cantaram alvoroçados em algum lugar daquelas paragens, o rumor de animais que se aproximavam passou a ser ouvido com nitidez cada vez maior, sem que fosse possível precisar de que direção eles vinham, e Simão, que a tudo percebia, não conseguia entender o que estava acontecendo.

Foi aí que uma casa branca como o algodão apareceu na superfície do rio surgida do nada, sem qualquer aviso, e era uma casa bonita, com o telhado coberto por escamas de peixe, as janelas trabalhadas em ouro reluzente, as paredes feitas de prata, e de dentro dela saiu a Mãe d’Água caminhando majestosa em direção à pedra lisa onde se sentou despreocupada, passando em seguida a pentear seus longos cabelos com um pente enfeitado com inúmeros diamantes que refletiam a luz da lua em todas as direções. Simão quedou-se boquiaberto, admirando aquela beleza deslumbrante, e assim se passaram muitos minutos, até que a rainha do rio colocou o pente de lado, inclinou a cabeça para diante e pareceu adormecer ao embalo de uma brisa suave que passara a correr com delicado assobio por entre a vegetação da margem, como se estivesse executando uma pequena sinfonia.

Foi então que Simão Corneta resolveu se aproximar, decidido a levar o pente com ele. Chegou à pedra lisa como o gato sorrateiro faz quando quer apanhar a sua presa, mas assim que colocou a mão no pente a Mãe d’Água soltou um grito estridente, agarrou o pescador pelo braço, firmemente, entrou com ele em seu palacete maravilhoso, e de repente tudo mergulhou para o fundo das águas sem que na superfície ficasse qualquer vestígio do que tinha acontecido.

* História contada por Fernando Dannemann. Publicada em http://www.fernandodannemann.recantodasletras.com.br.

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