segunda-feira, 19 de abril de 2010

A chegada do aventureiro

Vindo de São Paulo, onde passou muitos anos trabalhando em cidades do interior, Ulisses desembarcou em Sítio do Mato e partiu para São Gonçalo, hoje Serra Dourada. De bolsos já completamente vazios, teve que sair à procura de alguém conhecido para pedir ajuda.

Deu sorte. Encontrou um conterrâneo que emprestou o dinheiro, quantia pequena mas suficiente para aguardar a chegada da missão de socorro que deveria vir de Cotegipe, onde moravam seus pais, Januária e Horácio. Jovelina, a dona da pensão Santa Cruz, mulher simpática e educada recebeu o viajante solitário de braços abertos, diante das recomendações de Tenório, o que emprestara o dinheiro.

- Fique tranqüila que o rapaz é de boa família.

O mesmo Tenório encarregou-se de levar a notícia da chegada de Ulisses, já que estava de partida para Cotegipe na madrugada do dia seguinte. A boa nova iria a cavalo, o transporte mais rápido naqueles tempos ininternéticos. Ora, Internet, de onde apareceu essa idéia? Será que estou delirando?

Tenório foi para a cama cedo, pouco depois do jantar, e Ulisses saiu a passear na noite de São Gonçalo. A escuridão era quebrada aqui e acolá por luzes que saíam das casas de calçadas altas, ainda poucas naquele tempo. Um barulho de conversa chamou sua atenção. Só podia ser uma bodega, pensou rápido, e não teve jeito: foi atraído pelo canto das sereias.

Dias depois, chegou a missão de resgate. Ao se inteirar da boa notícia, Januária não perdera tempo e passara a tomar as procidências para receber da melhor forma possível o filho pródigo. Era, talvez, o filho mais querido. Tinha o pavio curto, mas era cativante no relacionamento com os amigos, que se divertiam com seus chistes e histórias.

Numa tarde Ulisses viu chegar na pensão Santa Cruz um grupo de cavaleiros, logo identificados como provenientes de Cotegipe, tocando mulas com bruacas. Reconheceu alguns deles, como Chico Preto e Cambraia, mesmo tendo passado tanto tempo sem vê-los.

O comandante da tropa, Chico Preto, mal o esperou se aproximar e gritou:

- Ulisses, seu cabra safado, olha a comitiva que veio buscar você! Coisa boa é que não falta por aqui, dê só uma espiada nas bruacas. A véia caprichou.

Depois dos abraços e pilhérias, ele conferiu a carga das mulas: lingüiça pronta para assar, fritos de galinha e de porco, carne seca, paçoca feita no pilão, requeijão, queijo, rapadura, farinha, cambraia, manuê, doce de leite e de maracujá, bolo de mandioca e biscoitos diversos – peta, rachadinho, ginete, voador, amor-perfeito, queijadinha e outros mais. Quando viu o chouriço, doce preparado com sangue de porco, o rapaz não se conteve.

- Minha mãe querida... não se esqueceu de nada! – balbuciou emocionado com lágrimas nos olhos.

Na madrugada do dia seguinte, a tropa, já devidamente abastecida de conhaque e cachaça, tomou o caminho de volta, levando para Cotegipe o filho pródigo. Uma casa aqui, outra acolá, estrada sem movimento, muito mato, riacho e serra para atravessar. Era coisa pra uns três dias de viagem e muitas histórias. Cambraia recordava as estripulias de Ulisses em Cotegipe e esse respondia com as de São Paulo. Chico Preto ria junto com os outros membros da comitiva. Quando a noite se aproximava, procuravam alguma clareira na mata e improvisavam barracas galhos e varas, onde estendiam esteiras de tabua para se deitar. Depois, vinha a melhor parte. Com pedaços de pau recolhidos no mato, eles faziam uma fogueira, que servia para afastar o frio e assar espetos de carne e lingüiça. Ah, que cheiro bom! A cachaça e o conhaque eram acompanhamentos perfeitos para aquelas preciosidades culinárias do sertão, e nisso eles não economizavam. Ulisses se empanturrava com aquela lingüiça que só sua mãe sabia fazer. As onças andavam por perto, pois seus esturros chegavam bem altos ali na beira do fogo, e isso era pretexto para muitas histórias.

Numa tarde, do alto da serra, avistaram um aglomerado de casas que pareciam pequenos pontos no meio de um imenso vale ocupado por roças e matas. Era Cotegipe.

- Uma rodada de pinga com carne seca pra comemorar! – gritou Chico Preto ante o alarido da comitiva.

Beberam e comeram à vontade até chegarem ao destino por volta das cinco e meia da tarde. Quando apontou na entrada da única praça da cidade, a comitiva foi surpreendida pelos foguetes que estouravam na frente da casa de Januária e Horácio, onde um grande número de pessoas estava aglomerado.

- Viva Ulisses! – gritava a multidão.

- Meu filho! Preparei a galinha-ao-molho-pardo que você gosta! – exclamou Januária chorando ao abraçar Ulisses, que nada e tudo disse. Lágrimas nos olhos.

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Quarenta anos depois, Ulisses contava essa história a um grupo de rapazes e, ao terminar, um de seus sobrinhos entrou na conversa:

- Tio, fale sobre a emoção que você sentiu com aquela recepção tão acalorada, depois de ter passado tantos anos fora de sua terra.

O velho Ulisses coçou a cabeça, pensou por um instante e respondeu:

- Eu não me lembro de nada, meu filho, pois estava bêbado.

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